A Inutilidade do Título de Eleitor

         A legislação aprovada para as eleições passadas trazia uma exigência para atender aos apelos daqueles que se preocupam com a fraude eleitoral: "Na votação, quando admitido penetrar no recinto da Mesa, o eleitor apresentará seu título, acompanhado de documento público em que conste sua fotografia,..." (art. 75 da Lei nº 9.100/95).

         Com essa providência, uma das inúmeras maneiras de fraudar eleições seria eliminada, aquela que se caracteriza pelo uso do título eleitoral por outra pessoa que não seja aquela cujo nome consta no referido documento.

         Mas, a exigência de documento com fotografia suscitou logo o debate, e a própria classe política, que, a princípio, parece ter aprovado a medida sem se aperceber de suas repercussões, sentiu, às vésperas das eleições, que tinha incorrido em erro, afastando a grande maioria dos eleitores manipuláveis: aqueles que vivem marginalizados, que sequer têm um documento de identidade com fotografia.

         Com a medida, esses eleitores iriam custar mais caro, pois já não iam pedir aos candidatos apenas o dinheiro "para construir uma casinha numa invasão", "comprar remédio para uma filha que está muito doente", "enterrar um filho que morreu de fome", "comprar um arroz e um feijãozinho pra dar de comer aos meninos que não comem há vários dias". Precisariam de dinheiro para tirar a Carteira de Identidade ou até a Carteira Profissional.

         Então, era melhor acabar com aquela exigência. Dito e feito. Agora, o eleitor já não está obrigado a apresentar documento com fotografia. Pode usar, sem medo, o título eleitoral de qualquer pessoa falecida, doente, preguiçosa ou ausente, e votar. Só será impedido se for denunciado, graças à Lei nº 9.301/96, aprovada em regime de urgência pelo Congresso Nacional.

         Essa questão da identificação do eleitor, com a exigência de apresentar documento com fotografia, trouxe de volta a discussão sobre a mudança sofrida pelo título de eleitor que, antes, tinha fotografia do titular e espaço para a rubrica do mesário.

         O título anterior não eliminava, totalmente, seu uso por terceira pessoa, mas dificultava, pois era necessário que a pessoa que fosse utilizá-lo parecesse com a da fotografia nele contida.

         Quando o recadastramento eleitoral foi feito e entregue o novo título, houve comemoração por parte dos que se debruçam na busca de mecanismos para fraudar eleições, e preocupação por parte daqueles que têm propósito inverso.

         A legislação já previa que "O presidente da mesa dispensará especial atenção à identidade de cada eleitor admitido a votar. Existindo dúvida a respeito, deverá exigir-lhe a exibição da respectiva carteira, e, na falta desta, interrogá-lo-á sobre os dados constantes do título, ou da folha individual de votação, confrontando a assinatura do mesmo com a feita na sua presença pelo eleitor, e mencionando na ata a dúvida suscitada" (art. 147 do Código Eleitoral).

         O eleitor, quanto à sua identidade, pode ser impugnado por qualquer membro da mesa, pelos fiscais e delegados dos partidos, pelos candidatos e até por qualquer eleitor (parágrafo primeiro do art. 47 do Código Eleitoral).

         Então, a exigência de documento com fotografia deixou de ser genérica, mas prevalece para os casos de dúvida. Exigência essa, porém, que não pode ser atendida pela mesma razão que levou o legislador interessado a revogá-la: os eleitores mais facilmente manipuláveis não têm aquela carteira a que se refere o Código. Os impugnados apresentam, quando exigido outro documento, a certidão de nascimento, de casamento ou o batistério, todos sem fotografia.

         Na realidade, o título de eleitor, com ou sem fotografia, é inútil, se o nome do seu titular não constar da lista de votantes da Seção. Nesse caso, não poderá votar, ainda que tenha documento de identidade, com fotografia. O título de eleitor será desnecessário, também, se o nome do eleitor constar da lista e ele dispuser de outro documento. Neste caso, poderá votar.

         Assim, o título de eleitor, como documento, acaba sendo absolutamente dispensável. Até porque, para que a pessoa se apresente em qualquer outro lugar onde exigirem documento eficaz de identificação, terá de apresentar um com fotografia, o que não é o caso do título eleitoral.

         Conseqüentemente, o eleitor não precisa de título eleitoral, que pode servir apenas vez ou outra, mas sim de uma Carteira de Identidade, com fotografia, que serve para qualquer ocasião, inclusive para votar, como já prevê a lei.

         Acabar com o título eleitoral seria uma medida de racionalização, com economia considerável para o erário, pois não haverá despesas com sua confecção, nem para sua distribuição, que requer funcionários para entregá-los, depois de ocupar o juiz eleitoral, que os assina. Isso tudo sem contabilizar as despesas com as retificações pela expedição de títulos errados, em decorrência de uma letra incorreta no nome do eleitor, de seu pai, ou sua mãe, ou na data de seu nascimento.

         Para comprovar sua inscrição eleitoral, bastaria um protocolo comum, que seria substituído pelo comprovante de votação, sucessivamente.

         Assim, além da economia incalculável que seria feita com a abolição do título eleitoral, o alistamento, que é obrigatório (art. 14, § 1º, I, da Constituição Federal), seria automático, com a expedição da Carteira de Identidade, documento hábil para votar e de repercussão e maior utilidade do que o título eleitoral.

         O cidadão brasileiro também ganharia com isso, pois não precisaria enfrentar mais uma burocracia para conseguir aquele documento inútil. E as despesas que os candidatos fazem para o alistamento teriam melhor utilidade: uma Carteira de Identidade, que livraria os desempregados de prisão arbitrária sob alegação de vadiagem e os habilitaria com um documento realmente útil.

         Melhor que isso seria acabar com a obrigatoriedade do próprio voto (Constituição Federal, art. 14, § 1º, I), convertendo-o naquilo que ele deveria ser, um direito.

         Para isso, é necessário que os legisladores pensem antes nos eleitores do que em si. Mas isso é difícil, e uma prova é a revogação da exigência de apresentação de documento com fotografia.

         Sendo de interesse pessoal do legislador, a revogação foi feita com rapidez. Enquanto isso, leis para beneficiar a sociedade dormem em berço esplêndido no fundo das gavetas e de outras profundezas do Congresso, como o caso da reforma do Código Civil e da legislação complementar, cuja inexistência tem inviabilizado a efetivação de vários direitos constitucionais. 

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CARLOS NINA é Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Imperatriz (MA).

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